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VIVER E CURTIR O ENVELHECIMENTO…VIVER EXPERIÊNCIAS

 

 

 

 

Faz nove anos recebi o crachá de velha. Aconteceu na linha verde do metrô paulistano. Uma mocinha, sentada no assento preferencial, ao me ver se levantou prontamente cedendo o lugar para mim. Meu impulso bem-educado pensou em dizer: “Obrigada pela gentileza, mas com os meus 52 anos ainda não ganhei o direito de sentar no banco preferencial, que é líquido e certo a partir dos 60”.

Já meu impulso mal-educado pensou em vociferar: “Qual é a sua, menina? Está me achando com cara de velha?” No fim, nada disse. Recusei a gentileza com um gesto de cabeça. Fui heroicamente, em pé, até à estação terminal na Vila Madalena. Deixei o trem um tanto tocada.

Por muitos dias, a cena da mocinha e do assento preferencial não abandonaram meus pensamentos. Passado o choque inicial veio a reflexão. Para alguém com 18 anos, uma pessoa com 50 e tralalá é antiga. Lembrei da voz da psicanálise argumentado: “Somos o que o olhar do outro insinua”.

 

 

Na TV brasileira, a maioria acachapante dos produtos e serviços são vendidos por jovens e adultos. Velhinhos e velhinhas só aparecem em mensagens de Natal, de Dias da Mãe e do Pai. Ou na publicidade politicamente correta dos governos e estatais.

Há de se dizer que recentemente tem havido alguma melhora, ajudando os mais velhos a se insinuar no ambiente digital. Mas é pouco. Há também um problema de gênero. Para as mulheres, a velhice parece chegar mais cedo. Basta olhar a capa das revistas femininas: corpos de 15 anos em rostos de 20. Durante séculos, envelhecer no feminino foi sinônimo de desgraça.

Mas o envelhecimento, de um modo geral, não é igual em todas as culturas. Pajés, xamãs, sacerdotisas, mães-de-santo ganham respeito na medida em que avançam tempos de vida. A lógica é cristalina: transmitem experiências de quem já foi com o fubá e voltou com o bolo muitas vezes.

 

 

E o que é a experiência senão o disco rígido de inúmeros começos? A experiência não é tão somente profissional, é o caleidoscópio de esperanças, frustrações, aniversários, lutos, dores e amores vivenciados na profusão das décadas. Só sabemos que nada sabemos depois de saber muito.

Viver o envelhecimento é dádiva para os que não morreram prematuros. É uma fase, entre tantas, da vida humana. Se crianças têm suas fabulações; adolescentes, suas descobertas; jovens, seus arroubos; adultos, seus poderes; velhos têm fabulações, descobertas, arroubos e poderes. Afinal, provaram todas as idades.

Está certo: quando encontro uma fotografia com os meus vinte e poucos anos, quase pergunto: quem é esta na foto? Para onde fugiram: a água dos olhos, a seda dos cabelos, a boca definida, o corpo esguio, a cintura de pilão?

 

 

Para aonde: todos os sonhos do mundo? Por outro lado, ao olhar-me no espelho, vejo um rosto com marcas que confirmam a trilha de histórias reais, imaginárias. As completas e as incompletas.

O que hoje percebo, sem precisar de nenhum espelho, é o presente. Claro, se o destino me conceder, depois de velha, ficarei bem velhinha. Pode ser que mais enrugada, um pouco surda, com ruídos na memória. Pode acontecer tantas coisas. Mas a consciência da vida presente é o que me move e comove. Ela me faz desejar as manhãs. As ensolaradas e as chuvosas também.

Fernanda Pompeu

 

One thought on “VIVER E CURTIR O ENVELHECIMENTO…VIVER EXPERIÊNCIAS

  • Angelica Mendoza

    Com certeza o processo de amadurecer e privilegiadamente chegar a uma idade avancada e’ uma arte, uma dadiva que se deve aprender a valorizar. Mas me chama a atencao nesse artigo o desconcerto causado pelo fato de uma jovem ter oferecido o assento a uma pessoa “nao idosa” (pela lei). Se o envelhicimento e’ algo positivo, entao por que ser confundida com uma pessoa idosa e’ constrangedor e para muitas mulheres ultrajante? Valorizamos o envelhecimento, mas que ele nao seja evidente a ponto de nossas marcar nos exponham publicamente. Como asim? Sera que envelhecer com qualidade tb nao significa lidar positivamente com equivocos sobre onde estamos nessa linha do tempo? Sem constrangimentos. Acho que nesse processo, mais importante do que parecer jovem aos olhos dos outros, e’ sentir-se em paz com nossa aparencia, nao sentir-se ofendida caso nos deem uns aninhos a mais. Afinal, estarao nos atribuindo um tempo de privilegiados.

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